É uma solução que concentra diferentes auxílios (alimentação, refeição, mobilidade, saúde, cultura, educação, home office etc.) em um mesmo cartão ou app, com regras de uso por categoria. Na prática, o RH ganha controle e o colaborador, autonomia. Contábil e juridicamente, entretanto, cada trilha de gasto mantém natureza própria (indenizatória ou salarial), impactando folha, tributos e eSocial.
Por que a natureza do gasto importa?
A natureza (salarial x indenizatória) determina base de cálculo de INSS, FGTS e IRRF e a forma de informar no eSocial.
Salarial: integra remuneração; em regra sofre INSS, FGTS e pode compor base de IRRF.
Indenizatória: repõe/viabiliza despesa do trabalho; não integra salário se cumprir requisitos (finalidade, documentação, política interna, previsão normativa e vedação a pagamento em espécie quando exigido).
Dica prática: no cartão flex, separe saldos por “bolsos” (subcontas) e reflita isso em rubricas distintas na folha e no eSocial. Misturar natureza eleva o risco de autuação.
Reflexos em folha de pagamento (por tipo de benefício)
Benefício (no cartão)
Natureza mais comum
INSS
FGTS
IRRF
Observações de risco
Auxílio-alimentação (VR/VA, uso restrito a alimentos)
Indenizatória*
Não
Não
Não
Evitar pagamento em dinheiro. Mantenha contrato com operadora, política e comprovação de finalidade.
Mobilidade/Transporte (vale-transporte digital)
Indenizatória
Não
Não
Não
Respeitar coparticipação do empregado (até 6%) e uso exclusivo para deslocamento casa-trabalho.
Saúde (coparticipações/auxílio)
Indenizatória
Não
Não
Não
Preferir pagamento à operadora/seguradora. Reembolsos exigem recibos.
Cultura (vale-cultura / pocket cultural)
Indenizatória
Não
Não
Não
Usos estritamente culturais; evitar conversão em numerário.
Educação/Capacitação
Indenizatória
Não
Não
Não
Conexão com desenvolvimento profissional; guarde comprovantes.
Teletrabalho/Home office (ajuda de custo)
Indenizatória**
Não
Não
Não
Política clara (energia, internet, mobiliário) e comprovantes ou valor técnico.
Combustível
Indenizatória (se para trabalho)
Não
Não
Não
Risco maior em cargos sem exigência de deslocamento; prefira política + relatórios de km.
Premiação / Reconhecimento via cartão
Salarial (na maioria dos cenários)
Sim
Sim
Pode
Só não salarial se atender regras estritas de programa de prêmios e metas excepcionais.
Saldo livre / “cash”
Salarial
Sim
Sim
Pode
Saldo sem trilha finalística tende a ser remuneração.
* A natureza indenizatória do auxílio-alimentação depende de forma de concessão (cartão/convênio, finalidade alimentação, vedação a saque/dinheiro) e previsão em política/ACT/CCT. ** Ajuda de custo de teletrabalho é usualmente indenizatória quando comprova despesa ou segue critério técnico razoável, sem exceder valor de mercado.
eSocial na prática: rubricas, incidências e eventos
Para cada “bolso” do cartão, crie rubricas específicas com incidências coerentes. Exemplos:
Eventos: S-1010, S-1200 e S-1210 (compõe bases e pagamento).
Boas práticas:
Nomeie rubricas com padrão (prefixo RB_, final _CARTAO).
Versione rubricas quando mudar incidência.
Anexe políticas internas e ACT/CCT na auditoria de folha.
Reconcilie o extrato da operadora do cartão com a folha mensal.
Tributação: como evitar surpresas
INSS e FGTS
Benefícios indenizatórios corretamente estruturados não integram a base.
Itens com perfil remuneratório (prêmios habituais, saldo livre, conversões em dinheiro, reembolsos sem lastro) integram a base.
IRRF
Em regra, segue a natureza: indenizações sem habitualidade e com finalidade comprovada não compõem a base do IR.
Prêmios, bônus e valores de caráter remuneratório compõem a base.
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica/CSLL (lado da empresa)
Despesas de benefícios dedutíveis exigem finalidade, razoabilidade e documentação (contratos, notas fiscais da operadora, políticas e relatórios de uso).
Mistura de naturezas no mesmo saldo pode levar o Fisco a requalificar tudo como salário indireto.
Fluxo operacional recomendado (passo a passo)
Mapeie os benefícios que farão parte do cartão (alimentação, mobilidade, saúde, cultura, educação, home office, etc.).
Defina políticas internas com critérios de elegibilidade, tetos, documentação e vedações (ex.: saque, transferência entre bolsos).
Parametrize a folha com rubricas por bolso, incidências coerentes e contas contábeis específicas.
Cadastre rubricas no eSocial (S-1010) antes do primeiro lançamento.
Integre o extrato da operadora ao financeiro/contabilidade e concilie mensalmente.
Mensure riscos: monitore uso indevido, pagamentos em dinheiro e prêmios recorrentes.
Evidencie: guarde ACT/CCT, políticas, relatórios da operadora e parecer do jurídico/contábil.
Exemplos de lançamentos contábeis (ilustrativos)
Auxílio-alimentação (indenizatório)
D – Despesa com benefícios – Alimentação
C – Fornecedores/Operadora do Cartão
VT digital (indenizatório)
D – Despesa com benefícios – Transporte
C – Fornecedores/Operadora do Cartão
No desconto do empregado (folha):
D – Salários a pagar
C – Desconto de VT a recolher
Prêmio (remuneratório)
D – Despesa com salários/prêmios
C – Salários a pagar / Encargos a recolher (INSS/FGTS/IRRF)
Observação: ajuste contas conforme seu plano de contas e o regime adotado.
Check-list de conformidade (use todo mês)
Cada bolso tem rubrica específica na folha e no eSocial?
Há política interna escrita e vigente?
Não há pagamento em dinheiro onde a legislação veda?
Existem comprovantes (contratos, relatórios, notas) para cada despesa?
Os extratos da operadora batem com a folha e com a contabilidade?
Premiações são eventuais e com critérios objetivos (ou foram reclassificadas como salário)?
ACT/CCT cobre a forma de concessão do benefício?
Erros comuns que geram autuação
Usar saldo livre sem amarração de finalidade.
Transformar benefício em dinheiro ou permitir saque/transferência.
Uma única rubrica para tudo no cartão.
Falta de S-1010 antes do primeiro mês de lançamento.
Reembolso sem lastro (sem nota/recibo).
Prêmios habituais rotulados como “indenização”.
Conclusão
O cartão de benefício flexível é excelente para engajar equipes e simplificar processos. Contudo, a configuração correta de rubricas, incidências e eSocial é o que separa eficiência de passivo. Com políticas claras, documentação e reconciliação mensal, você colhe as vantagens sem expor a empresa a riscos trabalhistas e fiscais.